Fabricação do açúcar

Conteúdo atualizado em: 06/06/2025

Autores

Fábio Cesar da Silva - Embrapa Agricultura Digital

André Ricardo Alcarde - Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq)

Rogério Haruo Sakai - Consultor autônomo

 

Após passar pelas etapas de extração e tratamento do caldo, inicia-se o processo de fabricação de açúcar, por meio da concentração do caldo por evaporação da água em processo de múltiplo efeito. Tal divisão operacional ao concentrar o caldo clarificado até a cristalização da sacarose não é aconselhável – apesar de ser possível – devido a razões de ordem técnica e econômica:

a) Maior consumo de vapor.

b) Difícil manuseio da massa cozida.

c) Necessidade de maior número de equipamentos.

d) Necessidade de maior número de operadores.

Nos evaporadores de múltiplos-efeitos, vapor é todo aquele que alimenta e que resulta da evaporação do caldo do primeiro vaso, pois neste vaso, a pressão é geralmente superior à atmosférica. Neste vaso, não há ainda a condição de vazio. Nos demais vasos e a partir do segundo, se tem gases, pois são produzidos em condição de um vazio que cresce nas últimas unidades do conjunto de evaporação. A evaporação compreende a concentração do caldo clarificado até a obtenção de um líquido denso, de cor marrom ou caramelo, ainda não apresentando nenhum sinal de sacarose cristalizado, denominado xarope. O xarope resultante é bombeado para os tachos de cozimento para a cristalização do açúcar.

As bases fundamentais da evaporação do caldo clarificado em aparelhos de múltiplos-efeitos são, segundo Webre, devidas a Norbert Rillieux, conhecidos por “princípios da evaporação” desenvolvido de 1845 a 1855 pelo Dr. George Meade, constando de três princípios (Delgado et al., 2019).

 

Primeiro princípio 

 “Em um evaporador de múltiplo-efeito, cada quilograma de vapor, usado no primeiro vaso, evaporará tantos quilogramas de água quantos forem os vasos”.

 

Diante deste princípio, tem-se o seguinte:

a) No simples-efeito: 1 kg de vapor evapora 1 kg de água.

b) No duplo-efeito; 1 kg de vapor evapora 2 kg de água.

c) No tríplice-efeito: 1 kg de vapor evapora 3 kg de água.

d) No quádruplo-efeito: 1 kg de vapor evapora 4 kg de água.

e) Com n vasos: 1 kg de vapor evapora n kg de água.

Verifica-se, por este princípio, que o consumo de vapor se restringe apenas ao primeiro vaso e que quanto maior for o número de vasos, tanto mais econômica será a evaporação. Entretanto, na prática, o número de vasos se restringe a 4 ou 5 no máximo em virtude de certas considerações técnicas e econômicas.

Na prática das usinas açucareiras, como a temperatura do caldo de alimentação do primeiro vaso é sempre inferior à de seu ponto de ebulição, a eficiência do primeiro vaso nunca chega a 100%. Daí, o princípio de Rillieux ser válido apenas para o caso em que a temperatura do caldo admitido em cada vaso corresponder ao seu ponto de ebulição.

 

Segundo princípio

“A extração de vapor de qualquer unidade de um evaporador de múltiplo-efeito para ser usado em outro setor da fábrica conduz a uma economia que será igual ao número (nº) de quilogramas de vapor assim extraído, dividido pelo nº de vasos do conjunto e multiplicado pelo nº de ordem que o corpo ocupa”. 

 

Considerando o W o peso de vapor; M o nº de vasos e N o nº de ordem que o vaso ocupa no conjunto de evaporação, a economia de vapor E será igual a:

E=W.N.M

Por exemplo, a retirada de uma unidade de vapor do primeiro vaso de um quádruplo-efeito implica numa economia equivalente a 1/4 do vapor usado, ou seja:

Na prática de utilizar vapores do primeiro, do segundo vaso, ou até mesmo do vapor que irá  ao condensador, para aquecimento parcial do caldo ou para outros fins, constitui uma aplicação deste princípio. Entretanto, como a temperatura do vapor decresce nos últimos vasos, a prática de sangria do vapor dessas unidades não é muito observada pelas usinas de açúcar.

 

Terceiro princípio

“Em todo aparelho no qual se condensa vapor, é necessário extrair continuamente a acumulação de gases incondensáveis que, por via de regra, ficam, internamente, próximo à superfície superior da calandra.”

 

Em atenção a esse princípio, os construtores de equipamentos instalam nos evaporadores dispositivos mecânicos para a extração dos gases incondensáveis, 

Deste modo, tem-se o início do segundo estágio de concentração, ou seja, o cozimento, tem início um pouco antes dos cristais aparecerem no xarope, devendo-se dar por encerrado quando há máxima obtenção de sacarose cristalizada.

A concentração é realizada em duas etapas, sendo que na primeira ainda ocorre a evaporação da água do xarope para a cristalização da sacarose (Figura 1).

O produto resultante da fase de cozimento é uma mistura de cristais de sacarose com o licor-mãe (mel). No decorrer da segunda etapa, ocorre o processo de nucleação, em que são produzidos pequenos cristais de tamanho uniforme. Nos cozedores, os vapores resultantes da evaporação durante o cozimento, vão diretamente ao condensador. Eles operam em sistema intermitente, sob vácuo e baixa temperatura, ao contrário dos evaporadores que atuam em sistema de  múltiplos efeitos contínuos. Há um controle de trabalho mais cuidadoso, e de constante supervisão durante toda a operação de cozimento.

A cristalização complementar é aquela efetuada nos cristalizadores, após a massa cozida ter sido descarregada dos cozedores. Esta operação é realizada por movimentação e resfriamento da massa, onde se pode ganhar alguns pontos a mais de queda de pureza. Com a movimentação da massa há uma melhor deposição entre a sacarose molecular em solução no licor-mãe com o cristal para crescimento desse, o que facilita a cristalização. Por outro lado, o resfriamento da massa diminui a solubilidade da sacarose que deposita na superfície do cristal.

O produto final dessa operação é ainda a  massa cozida, formada por uma mistura de cristais de sacarose e mel. Parte dos não açúcares permanece no mel com uma parte de sacarose. A separação dos cristais ocorre posteriormente por centrifugação.

A separação dos cristais de sacarose do mel é feita por meio de centrifugação (Figura 1), no qual são obtidos dois produtos: o açúcar e o melaço. Todos os tipos de centrífugas usadas na indústria do açúcar estão baseados na máquina inventada por Weston com poucas mudanças. Quase todas as centrífugas atuais são similares, diferindo somente em tamanho, capacidade, acessórios e forma de conduzir a operação de centrifugação. As melhorias foram efetuadas principalmente no tamanho do cesto, melhor método de impulsão, maior velocidade de rotação, aperfeiçoamento nos métodos de descarga e substituição dos controles manuais por automáticos. 

Este tipo de operação entre a fase sólida e a líquida é conhecida com o nome de turbinagem, purga ou simplesmente centrifugação. Estes aparelhos podem ser classificados em: a) centrífugas de fluxo intermitente, as quais podem ser de controle manual, semiautomático ou automático na massa cozida de primeira e, b) centrífugas de fluxo contínuo para massa cozidas de segunda e terceira.

 

Foto: Patrícia Cândida Lopes

Figura 1. Centrífugas para separação do açúcar.

 


O melaço é enviado para a fabricação de álcool, enquanto o açúcar é destinado ao secador para a retirada da umidade contida nos cristais.

Na maioria das vezes, o açúcar que deixa as centrífugas encerra um teor de umidade, entre 0,5 a 2,0%,  e está a uma temperatura relativamente elevada, entre 56 e 60°C. Deste modo, ele não se apresenta em boas condições para ser ensacado e armazenado, porque o produto está de difícil manipulação pela fluidez e suscetível a sofrer uma deterioração microbiana e tem tendência a empedrar. Sendo assim, é necessário que se faça uma prévia secagem e resfriamento.

A alteração de secagem do açúcar consiste basicamente na redução de sua umidade e pelo resfriamento simultâneo, a níveis de umidade no produto (hidrocapacidade) que permitam sua armazenagem por períodos mais o menos longos, sem apresentar alterações significativas de suas características (hidrosensibilidade), isto é, preservando sua qualidade para consumo como produto alimentício.

Após a secagem, o açúcar é levado ao silo para ser ensacado e estocado (Figura 2).

A qualidade do açúcar é avaliada por parâmetros como Pol (grau de pureza), reflectância,  tamanho dos cristais e uniformidade – AM e C, cor (ICUMSA), filtrabilidade, umidade e cinzas, que podem depreciar o preço do produto no mercado.

Os armazéns de açúcar devem ser secos e limpos, mas, para isso, é necessário que, ao projetá-lo, seja dedicada especial atenção na construção do piso que deve ser construído em concreto de tal forma a suportar o peso das pilhas de açúcar. 

A cobertura do armazém deve ser feita com material que apresente um bom coeficiente de isolamento térmico ou que tenha um elevado índice de reflexão dos raios solares, o que dará uma menor oscilação de temperatura ambiente.

A circulação de ar natural no interior do armazém deve ser evitada ao máximo, para não correr o risco de elevação da taxa de umidade do ar.

 

Foto: Patrícia Cândida Lopes

Figura 2. Estoque de açúcar ensacado.

 
 

Referência

DELGADO, A. A.; CESAR, M. A. A.; SILVA, F. C. da. Elementos de tecnologia e produção do açúcar, etanol e energia. Piracicaba: FEALQ, 2019. 984 p.