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Conteúdo atualizado em: 05/06/2025

Autores

André Ricardo Alcarde - Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq)

Fabio Cesar da Silva - Embrapa Agricultura Digital

 

O  reaproveitamento desses resíduos na própria agroindústria tornou-se tão fundamental quanto a produção de açúcar e álcool. Da cana-de-açúcar pode-se aproveitar praticamente tudo, pois os subprodutos e resíduos podem ser utilizados na alimentação humana e animal, na fertilização de solos e na co-geração de energia. As quantidades produzidas desses resíduos dependem do tipo de produto(s) final(is) que a indústria foi projetada para operar (Figura 1).

Figura 1. Fluxograma de produtos, subprodutos e resíduos da agroindústria da cana-de-açúcar. 

Fonte: Gurgel et al. (2024).

Em usinas que produzem apenas açúcar não há resíduo de vinhaça. Nas destilarias autônomas não há resíduo de torta de filtro. A produção de águas de lavagem, bagaço e cinzas é comum em todas.

Dentre os subprodutos e resíduos, destacam-se: 

Bagaço: resíduo fibroso da extração do caldo pelas moendas. A quantidade produzida depende do teor de fibra da cana processada, apresentando, em média, 46% de fibra e 50% de umidade, resultando, aproximadamente, em 280 quilos de bagaço por tonelada de cana processada. Pela proporção em que é produzido e devido à sua composição, o bagaço (Figura 2) constitui-se em um dos mais importantes subprodutos para a indústria sucroalcooleira. Suas principais aplicações são: combustível para caldeira, produção de celulose e alimentação de gado confinado.
 

 

Foto: Raffaella Rossetto.
Figura 2. Depósito de bagaço para  co-geração de energia elétrica.

 

O bagaço é uma fonte de fibra, sendo constituída principalmente de celulose, hemicelulose e lignina. Na condição industrial de 50% de umidade tem poder calorífico de  1.800 Kcal/kg.  

Torta de filtro: resíduo da filtração mecânica do lodo na fabricação do açúcar e do álcool direto, quando o caldo é submetido ao tratamento de clarificação. A torta de filtro (Figura 3) é produzida na proporção de 20 a 40 kg/t de cana, apresentando, em média, 75% de umidade e é utilizada como fertilizante, rica fonte de fósforo. nas usinas que clarificam o caldo utilizando potássio, há tendência de que haja uma maior riqueza desse elemento no resíduo. 

 

 

Foto: Raffaella Rossetto. 
Figura 3. Torta de filtro.

 

Melaço (ou mel final): constitui-se no principal subproduto da indústria do açúcar, sendo produzido na proporção de 40 a 60 kg/t  de cana processada. No Brasil, devido ao elevado teor de açúcares totais e demais componentes, o melaço é utilizado, principalmente, na fabricação de álcool etílico, sendo aproveitado, também, em outros processos biotecnológicos como matéria-prima para a produção de proteína, rações, levedura prensada para panificação, antibióticos, entre outros.

Vinhaça: resíduo da destilação do vinho. Sua produção é, normalmente, relacionada à de álcool, variando na proporção de 12 a 18 litros de vinhaça por litro de álcool, dependendo da natureza da matéria-prima processada. Suas principais aplicações são para a alimentação de animais, produção de proteínas (biomassa), produção de metano e fertilização de solos, sendo esta última a mais utilizada. Por outro lado, a vinhaça, se lançada no meio ambiente, provoca a poluição do solo e de corpos hídricos. Nos rios, a riqueza em matéria orgânica, baixo pH, elevada corrosividade e altos índices de demanda bioquímica de oxigênio (DBO) podem levar à morte de peixes por falta de oxigênio. Já a liberação da vinhaça no meio ambiente pode trazer uma série de impactos, como reduzir a biodiversidade, provocando a morte de animais. A decomposição desse material atrai insetos, como moscas, que contribuem para o desequilíbrio ecológico e a insalubridade do ambiente. Para orientar, controlar e monitorar a aplicação de vinhaça ao solo, a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) ligada à Secretaria do Meio Ambiente, elaborou um documento normativo chamado de “Vinhaça - critérios e procedimentos para aplicação no solo agrícola” é a P4.231 de dezembro de 2006. Esse documento tem servido de base para outros estados brasileiros que produzem cana, açúcar e álcool. Nele estão contidos critérios e procedimentos para armazenamento, transporte e aplicação no solo, bem como instruções para a formulação de um plano para aplicação de vinhaça. Dentre as suas principais recomendações estão:

- Revestimentos de canais e tanques, estes inclusive usados na construção de poços de monitoramento. Com isso extinguiram-se os “maracanãs” e as “áreas de inundação e sacrifício”.

- A vinhaça não poderá ser aplicada em áreas de preservação ambiental ou reserva legal, distando, no mínimo, 6 m delas com proteção de terraços de segurança.

- A profundidade do aquífero livre deve ser de no mínimo 1,5 m no momento da aplicação de vinhaça.

- Em áreas com declives superiores a 15%, devem-se tomar medidas necessárias que evitem escorrimento superficial. Por esse motivo, é recomendável não se aplicar vinhaça nessas áreas.

Já  a  dosagem máxima de vinhaça a ser aplicada nos solos é determinada pela seguinte expressão:

m3 vinhaça / ha = [(0,05 x CTC – Ks) x 3.744 + 185] / Kvi

em que 0,05 representa a saturação máxima de K admitida na CTC que é de 5%; CTC é a capacidade de troca de cátions (cmolc dm-3); Ks é o teor de K no solo até 0,80 m de profundidade (cmolc/dm3); 3.744  é constante para transformação de Ks em kg/ha1 de K; 185 é a quantidade de K2O extraída pela cultura (kg/ha1) que o sistema considera; Kvi é a quantidade K2O contida na vinhaça (kg/m3).

A concentração da vinhaça eleva seu poder fertilizante, permitindo expansão de área e tornando viável aplicações com até 100 km de distância de onde é produzida, além de ser mais facilmente armazenada e usada em qualquer época. O grande desafio é o custo imobilizado na concentradora e sua integração à indústria sucroalcooleira.

Óleo  fúsel: constituído por álcoois (álcool etílico e superiores), furfural, aldeídos, ácidos graxos etc. O óleo fúsel é produzido na proporção de 0,05 a 0,2 L para
100 L de álcool, apresentando uma composição variável em função da natureza e qualidade da matéria-prima, bem como da qualidade do álcool produzido. A matéria-prima para processamento de refinação é de onde se extraem álcoois com diversos graus de pureza e se obtêm outras substâncias químicas, como, por exemplo, solventes.

Álcool bruto: constituído por uma mistura impura de água e álcool. O álcool bruto é produzido na proporção de 1 a 5 L por 100 L de álcool, em função da natureza da matéria-prima, da qualidade do álcool a ser produzido e das condições operacionais do aparelho de destilação. O álcool bruto encontra aplicação na produção de álcoois extra-fino e neutro, sendo também empregado como combustível.

Levedura seca: obtida da secagem de uma parte do leite de levedura sangrado no processo de condução da fermentação. A levedura seca, que é produzida na proporção de 2,5 kg para 100 L de álcool, possui em sua composição 35% de proteína e alto teor de vitaminas do complexo B, encontrando aplicação especialmente na composição de rações animais.

Caldo de cana: é extraído da cana, rico em açúcares e nutrientes. Pode ser consumido resfriado ou in natura. Pode ser ingerido como bebida, sendo popular em algumas regiões.

Águas de lavagem na  limpeza via úmida:  a agroindústria da cana-de-açúcar consome em média 6 a 7 m3 de água para cada tonelada de colmo. Essa água apresenta um pH de aproximadamente 4,8 e uma demanda biológica de oxigênio (DBO) que varia de 200 a 1.200 mg/L. Pode ser recirculada, utilizada na fertirrigação incorporada à vinhaça, tratada ou descartada.

Cinzas e fuligem: A produção de cinzas ocorre durante a queima do bagaço nas caldeiras para a geração de energia. Considerando-se que toda a cinza presente no bagaço se transforme em resíduo na caldeira, admite-se uma produção de 6 kg de cinzas por tonelada de cana moída (Figura 3). Isso equivale a aproximadamente 2,5% de cinzas no bagaço queimado ou 0,6% de cada tonelada de cana moída na indústria. Essa queima também produz materiais particulados que estão associados às cinzas e fuligem. Tanto as cinzas, como a fuligem têm consideráveis teores de nutrientes, o que credencia seu uso no setor de produção agrícola da empresa. As cinzas podem ser distribuídas em área total ou localizadamente no sulco de plantio. Outro uso comum é como incremento no processo de compostagem, melhorando a qualidade nutricional dos compostos.

 

Entretanto, a empresa precisa ter inventários realísticos com avaliações periódicas de monitoramento de resíduos e áreas de aplicação, criteriosamente regulamentados por instrumentos normativos, que eliminem riscos de poluição e contaminação de recursos naturais, tornando positivo o uso desses resíduos e mitigando possíveis malefícios do setor sucroalcooleiro ao ambiente.  

 

Referência

GURGEL, M. N. do A.; FREIRE, F. J.; SILVA, F. C. da; ABREU JUNIOR, C. H.; MARCHIORI, L. F. S.; RAIZER, A. J. Gerenciamento, tratamento e disposição de resíduos na cana-de-açúcar. In: SILVA, F. C. da; FREIRE, F. J. (ed.). Inovação e desenvolvimento em cana-de-açúcar: manejo, nutrição, bioinsumos, recomendação de corretivos e fertilizantes. Brasília, DF: Embrapa; Recife: Universidade Federal Rural de Pernambuco, 2024. cap. 10, p. 339-385. Disponível em: https://www.alice.cnptia.embrapa.br/alice/handle/doc/1167011. Acesso em:  30 maio 2025.