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Entre cheias, secas e ciência, o Pantanal em transformação

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 - Ciência e tradição se encontram no manejo sustentável do gado pantaneiro.

Ciência e tradição se encontram no manejo sustentável do gado pantaneiro.

Jacarés, tuiuiús, cervos, capivaras, onças, araras-azuis... E também bois.

No Pantanal, natureza e pecuária dividem a mesma planície. Ela se estende na fronteira do Brasil com a Bolívia e o Paraguai, dentro dos estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, e avança ainda por áreas dos países vizinhos. É a maior planície alagável contínua do planeta, um mosaico de rios, baías e campos inundáveis que abriga uma cultura moldada pelo ritmo anual das cheias e vazantes.

Mais do que um cartão-postal, o Pantanal é hoje palco de dinâmicas entre natureza, tradição e modernidade. A pecuária extensiva, adaptada há mais de dois séculos ao regime das águas, convive com a presença de sucuris, ariranhas, tamanduás-bandeira e bandos de papagaios, com comunidades locais que vivem do ciclo da natureza e com zonas urbanas modernas e sua pressão sobre os recursos.

O rebanho pantaneiro é composto principalmente por Nelore, raça predominante no Brasil, conhecida pela rusticidade e resistência ao calor. Ao lado dele, ainda sobrevivem exemplares do gado Pantaneiro, descendente direto dos animais trazidos pelos colonizadores ibéricos e adaptado ao regime de cheias e secas, hoje preservado em projetos de conservação genética. Também se destacam Tabapuã e Brahman, além de cruzamentos como o Brangus e o Angus × Nelore, que buscam aliar a rusticidade zebuína à qualidade de carne das raças europeias.

Ao lado de produtores rurais, comunicadores tradicionais, pesquisadores, órgãos públicos e organizações da sociedade civil, buscam-se respostas para o desafio de conciliar produção e conservação em tempos de mudanças climáticas.

 

Biodiversidade e cultura muito próprias

Partes do Pantanal integram, desde 2000, o sítio “Pantanal Conservation Area”, inscrito como Patrimônio Natural da Humanidade pela UNESCO. Reconhecido internacionalmente, o bioma concentra biodiversidade de paisagens surpreendentes e uma cultura própria — na qual a pecuária extensiva, praticada há mais de dois séculos, é ao mesmo tempo economia, identidade e paisagem. Em meio a secas severas e incêndios recentes, ciência e tradição voltam a se encontrar: a Embrapa e parceiros estruturam soluções para produzir e conservar, com a pecuária como eixo, mas não a única história a ser contada.

O Pantanal brasileiro tem área semelhante à do Uruguai e é quase o dobro de Portugal. O pesquisador Carlos Padovani, chefe-adjunto de Pesquisa e Desenvolvimento da Embrapa Pantanal (MS), diz que “o bioma tem 93% de área privada e, desse total, cerca de 84% está conservada, segundo estimativa do MapBiomas — muito devido à pecuária extensiva”. Biomas são grandes regiões ecológicas que reúnem clima, relevo, solos, vegetação e fauna em combinações próprias e únicas. O Pantanal é um dos seis biomas brasileiros, ao lado da Amazônia, Cerrado, Caatinga, Mata Atlântica e Pampa.

 

Área alagável e serviços ambientais


A dinâmica central do Pantanal é o chamado pulso de inundação: a alternância entre cheias e secas que define o ritmo da vida local. Essa oscilação transforma a paisagem ao longo do ano, moldando atividades humanas e garantindo uma biodiversidade singular.

Ali existem mais de 600 tipos de aves, 124 de mamíferos e 300 de peixes. O tuiuiú, ave-símbolo do Pantanal, divide espaço com a arara-azul-grande, a onça-pintada, a anta, o lobo-guará, jacarés e sucuris. Essa abundância faz do bioma um dos principais destinos de observação de fauna do mundo.

A vegetação reflete a influência de outros biomas, como Cerrado, Amazônia, Mata Atlântica e Chaco. Essa diversidade gera ambientes distintos, dos campos de gramíneas às matas ciliares, passando por cordilheiras (áreas mais altas que não alagam) e áreas de vegetação aquática, contendo mais de 2.300 espécies de plantas.

A valiosa riqueza natural do Pantanal presta serviços ambientais fundamentais: regula o equilíbrio hídrico da bacia do rio Paraguai, armazena e filtra água, contribui para a qualidade do ar e sustenta atividades econômicas como pesca, pecuária, turismo e agricultura familiar.

Entre essas atividades, a pecuária extensiva tornou-se parte da paisagem, convivendo com a biodiversidade e ajudando a moldar a cultura local.

 

Pantanal, dimensão e riqueza

  • Área no Brasil: cerca de 140–150 mil km² (65% em MS; 35% em MT).
  • Contexto hídrico: planície da bacia do rio Paraguai; maior planície alagável do mundo.
  • Biodiversidade (estimativas): mais de 600 aves, 124 mamíferos e cerca de 300 peixes.
  • Reconhecimento internacional: desde 2000, partes do Pantanal integram o sítio “Pantanal Conservation Area”, inscrito como Patrimônio Natural da Humanidade pela Unesco.

 

Cultura pantaneira

O Pantanal gerou uma cultura humana muito própria, típica de uma região em que a vida depende do ritmo das águas. O bioma sustenta comunidades ribeirinhas, povos originários, agricultores familiares e pecuaristas que desenvolveram modos de vida profundamente ligados ao ciclo das cheias e vazantes. Como resume o analista Thiago Coppola, da Embrapa Pantanal: “é uma cultura específica, local, completamente própria da região”. Neste sentido, a lógica do pantaneiro pode ser comparada ao do gaúcho no Pampa: ambos são guardiões de seus biomas, pois a criação tradicional de gado depende da conservação das pastagens nativas e se expressa também em uma cultura enraizada no jeito de viver, de cuidar dos animais e do ambiente onde vivem.

A introdução do gado, há mais de dois séculos, consolidou a pecuária extensiva como atividade central. Criada de forma adaptada ao ciclo das cheias e secas, tornou-se motor econômico e expressão cultural — das comitivas que transportavam boiadas a cavalo às festas e tradições locais que celebram esse jeito de viver.  “O Pantanal é considerado o berço da pecuária regional, onde você tem o bezerro, e aí a produção de bezerros, que é encaminhada para outros biomas, principalmente o Cerrado, para o processo de terminação e engorda”, explica Coppola.

Com o passar do tempo, a economia baseada na pecuária ganhou força como principal sustentação de cidades e vilarejos pantaneiros. A atividade moldou a paisagem e a identidade social. Ainda hoje, a maioria do território pantaneiro é privada, e aproximadamente 84% da vegetação nativa permanece conservada, justamente porque a lógica extensiva depende da manutenção de grandes áreas de pastagens nativas.

 

A chegada da pesquisa

Em 1975, foi criada a Unidade da Embrapa Pantanal, em Corumbá (MS), para desenvolver conhecimento específico sobre o bioma. A decisão atendeu a uma demanda crescente do setor produtivo e do governo federal, diante da constatação de que as tecnologias aplicadas em outros biomas não funcionavam ali.

Nos primeiros anos, o foco foi a pecuária de corte. Rapidamente, o interesse dos pesquisadores se expandiu: estudos sobre pesca, conservação da biodiversidade, restauração de áreas degradadas e integração de comunidades tradicionais. Em meio século, a Embrapa Pantanal consolidou-se como referência em ciência aplicada a um bioma único, aliando tradição e inovação. “Não existe futuro do Pantanal sem conhecimento”, diz Coppola.

O desenvolvimento de tecnologias para o Pantanal ocorreu em um processo de troca contínua. A vivência dos pecuaristas e das comunidades locais, forjada pela longa experiência de adaptação ao pulso das águas, dialogou com a ciência, que trouxe novos métodos, fez ajustes, aprendeu com os saberes regionais e transformou práticas empíricas em recomendações técnicas. Dessa interação nasceram soluções que aliam tradição e pesquisa, resultando em sistemas de manejo mais sustentáveis e adequados às especificidades do bioma.

Um exemplo desse diálogo é Software Fazenda Pantaneira Sustentável (FPS), metodologia desenvolvida pela Embrapa Pantanal, Embrapa Agricultura Digital e Embrapa Pecuária Sudeste validada com os produtores, que reúne indicadores técnicos e que gera diagnósticos individualizados para cada fazenda, orientando práticas que permitem conciliar produtividade com conservação no bioma.

Posteriormente, a FPS tornou-se um Programa em MT construído numa parceria entre a Embrapa, Famato, Senar-MT e Imea. Voltaremos a ele.

“No Pantanal, nenhuma propriedade é igual à outra. O bioma tem uma complexidade única: algumas áreas alagam, outras permanecem secas; há regiões com mais cerrado, outras com campo limpo, com abundância de corpos d’água ou quase nenhum. E essa variação espacial também varia no tempo, com possibilidade de cheia ou seca extrema. A diversidade torna o manejo um enorme desafio”, explica Sandra Santos, pesquisadora da Embrapa Pantanal.

 

Linha do tempo da Embrapa Pantanal

Ano Marco
1975 Criação da Unidadede Pesquisa em Corumbá (MS), voltada às especificidades do bioma.
Anos 1980 Desenvolvimento de tecnologias para manejo de pastagens nativas e suplementação do gado.
Anos 1990

Estudos sobre pesca que resultaram na definição dos períodos de defeso ainda vigentes.
Estudos de conservação e manejo de raças adaptadas, como o cavalo e bovino Pantaneiro.
Estudos mutidisciplinares para o desenvolvimento da Fazenda Pantaneira Sustentável (FPS).

Anos 2000

Ampliação para projetos de monitoramento ambiental. 
Implantação do Banco de Germoplasma de Forrageiras Nativas do Pantanal
Criação do Núcleo de Conservação das Ovelhas Pantaneiras.

2010/2020  

Pesquisas sobre mudanças climáticas, monitoramento de incêndios
Projetos de restauração na bacia do Taquari.

2025 Programa Fazenda Pantaneira Sustentável (FPS) consolida-se com mais de 70 propriedades avaliadas em MT e projeto-piloto em 9 fazendas em MS. Parceria com produtores, governos e instituições nacionais e internacionais.

 

Conservação em meio a pressões

Quase meio século após a criação da Embrapa Pantanal, o bioma continua sendo um dos mais preservados do país, principalmente devido ao modelo de pecuária extensiva, que depende da manutenção de grandes áreas de pastagens naturais. Essa condição diferenciada faz do Pantanal um caso singular de equilíbrio relativo entre produção e conservação.

Mas a resiliência tem sido testada. Secas severas e eventos extremos de calor, influenciadas pelas mudanças climáticas, alteram o ritmo das águas e impactam fauna, flora e produção pecuária. Segundo o pesquisador Walfrido Tomás, da Embrapa Pantanal, “não há dúvida de que tudo o que acontece já é influenciado pelas mudanças climáticas”. A ocorrência de incêndios de grande escala — como os de 2020, que atingiram cerca de 30% do bioma e provocaram mortandade de milhões de animais — expôs a vulnerabilidade do sistema e reforçou a necessidade de manejo e monitoramento permanentes.

 

Desafios atuais

Outras pressões vêm do avanço de novos modelos produtivos. Muitos adquirem terras no Pantanal e tentam aplicar sistemas intensivos de pecuária que não se ajustam ao ambiente e podem resultar em prejuízos econômicos e ambientais: “Quem não respeita o pulso das águas acaba fracassando. A história mostra que tentar repetir aqui o que deu certo em outros biomas é receita para prejuízo”, explica Thiago Coppola.

Além disso, há desafios logísticos e fundiários. Muitas fazendas se tornaram menores ao longo do tempo, exigindo mais tecnologia e manejo para manter a rentabilidade. O transporte de animais para outros biomas, onde ocorre a engorda — geralmente no Cerrado de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul — depende de estradas, barcaças e infraestrutura precária, o que encarece custos e limita a competitividade.

 

Pressões sobre o Pantanal hoje

  • Mudanças climáticas:  secas mais intensas e irregulares alteram o pulso das águas, impactando fauna e pecuária.
  • Incêndios:  2020 foi o ano mais crítico da série histórica, com fogo atingindo cerca de 30% do bioma e mortandade estimada em milhões de animais.
  • Pressão fundiária: novos investidores adquirem terras sem conhecimento da dinâmica dos ecossistemas, tendo impor modelos externos.
  • Modelos intensivos de produção:  risco de inadequação às e impactos sobre a biodiversidade.
  • Infraestrutura precária:  transporte de animais depende de estradas ruins e barcaças, elevando custos e limitando a competitividade.

 

O berço da pecuária regional

Se no imaginário, o Pantanal é sinônimo de onças, jacarés e aves raras, para quem vive na região, a paisagem é também marcada fortemente pelo gado. Ali se consolidou, ainda no século XVIII, um modelo de criação extensiva adaptado ao ciclo das cheias e secas.

O pesquisador José Comastri, da Embrapa Pantanal, explica que a região se especializou na cria de gado. A cria é a fase inicial da pecuária, do nascimento até a desmama do bezerro, enquanto a recria corresponde ao crescimento e ganho de peso até a fase de engorda ou terminação. “No Pantanal, a vocação principal está na cria: os bezerros são desmamados e, na maioria, encaminhados para outras áreas, principalmente do Cerrado, onde passam pela recria e a engorda”, explica. Como Mato Grosso e Mato Grosso do Sul também têm extensas áreas de Cerrado, esse deslocamento pode ocorrer dentro dos próprios estados.

Ele também destaca que, ao contrário da imagem comum de degradação, a pecuária pantaneira tem cumprido um papel ambiental: “No Pantanal, ela se tornou um aliado da conservação. O manejo extensivo mantém grandes áreas de pastagens nativas em pé e, em muitos casos, contribui para reduzir o risco de incêndios.”

Estudos recentes mostram que áreas abandonadas ou sem manejo adequado sofrem mais com queimadas. Em 2020, por exemplo, fazendas sem pecuária perderam até 90% de sua vegetação para o fogo. José Comastri diz: “A pecuária tradicional extensiva tem sido aliada da conservação, contribuindo para manter a vegetação nativa e permitindo que outras atividades, como pesca e turismo, prosperem.”

 

Cultura e identidade

A pecuária pantaneira não é só economia: é também modo de vida. As comitivas - grupos de peões que levavam boiadas a cavalo até áreas de engorda em outros biomas - simbolizam uma cultura própria, marcada por música, culinária e forte identidade regional. “É uma cultura específica, local, completamente própria da região”, resume Coppola.

Esse patrimônio cultural se reflete até na carne pantaneira, cada vez mais valorizada em mercados que reconhecem seu diferencial ambiental e social. Além do baixo uso de insumos, o produto carrega a marca de uma produção ligada à paisagem natural. Essa valorização também vem sendo fortalecida por projetos de sustentabilidade, como o Fazenda Pantaneira Sustentável (FPS).

 

Pecuária pantaneira em números

Indicador     

Descrição

Área/Conservação 93% da área do Pantanal é privada; cerca de 84% permanece conservada, na maioria, graças ao modelo extensivo de criação.
Modelo produtivo Cria e recria de bezerros no Pantanal; engorda em outros biomas, sobretudo no Cerrado.
Baixa lotação Rebanhos distribuídos em grandes áreas, dependentes de pastagens nativas e do ritmo das águas.
Valor agregado Carne pantaneira diferenciada por atributos de sustentabilidade, cultura local e certificação em boas práticas (ex.: Fazenda Pantaneira Sustentável – FPS).

 

Pesca, turismo, agricultura familiar

Embora a pecuária seja o eixo da economia pantaneira, ela não está sozinha. A pesca, o turismo de natureza e a agricultura familiar também sustentam milhares de famílias e ajudam a manter vivas tradições seculares. Pesquisas da Embrapa mostram que a diversidade de atividades econômicas é um dos fatores que reforçam a resiliência das comunidades locais.

José Comastri explica que a presença da pecuária extensiva contribui para conservar grande parte da vegetação nativa do bioma — o que favorece não apenas o gado, mas também atividades como a pesca e o turismo, que dependem de um ecossistema saudável.

A pesca em suas diferentes modalidades, profissional artesanal, amadora e de subsistência continua sendo um dos pilares da vida pantaneira. No entanto, a pressão sobre os estoques pesqueiros levou a estudos científicos e à criação de regras como a definição de tamanhos de captura e de período defeso. “A ciência foi fundamental para estabelecer medidas de comprimento e períodos de reprodução dos peixes a fim de garantir a reposição das populações”, explica o pesquisador Agostinho Catella, da Embrapa Pantanal.

O turismo de observação de fauna, por sua vez, ganhou destaque internacional. Araras-azuis, tuiuiús e onças-pintadas atraem visitantes de todo o mundo, gerando renda para pousadas e guias locais. Como observa a chefe-geral Suzana Salis, da Embrapa Pantanal, “a beleza cênica e a biodiversidade de paisagens do Pantanal são ativos que sustentam o turismo e fortalecem a identidade cultural”.

 

 

Agricultura familiar e bioeconomia

Em áreas de transição ou em terrenos mais elevados, agricultores familiares cultivam mandioca, milho, hortaliças e frutas, além de produzirem mel e derivados de espécies nativas. Essa bioeconomia pantaneira, ainda em fase de desenvolvimento, vem sendo estudada pela Embrapa como alternativa sustentável de geração de renda.

O pesquisador Walfrido Tomas ressalta que a resiliência do Pantanal depende também dessa diversidade produtiva: “O bioma busca se recuperar em meio a incêndios e secas. Valorizar as atividades tradicionais e oferecer alternativas sustentáveis é parte da estratégia”.

 

Atividades no Pantanal

  • Pesca profissional, amadora e de subsistência: regida por períodos de defeso definidos a partir de pesquisas da Embrapa, que asseguram a reprodução dos peixes.
  • Turismo de observação de fauna: atrai visitantes do mundo inteiro para ver espécies emblemáticas como a onça-pintada, a arara-azul e o tuiuiú, gerando renda para comunidades locais.
  • Agricultura familiar: praticada em áreas de transição ou terrenos mais elevados, garante alimentos básicos e derivados de espécies nativas.
  • Bioeconomia: mel, frutos e plantas medicinais com potencial de mercado, ainda pouco explorados, mas vistos como alternativa de renda sustentável.

 

Ciência em campo

Ao longo de 50 anos, a Embrapa Pantanal consolidou-se como referência científica e tecnológica para o bioma. Hoje, a unidade atua em temas que vão da pecuária extensiva ao monitoramento ambiental, passando pela pesca, bioeconomia e políticas públicas. O objetivo é claro: produzir mais, conservando mais.

Para o Chefe-Adjunto de Pesquisa e Desenvolvimento da Embrapa Pantanal, Carlos Padovani, é papel da ciência dar segurança ao produtor: “No passado havia insegurança sobre como manejar as áreas. Hoje, com base em notas técnicas e pesquisas da Embrapa, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul criaram leis que garantem produtividade de forma sustentável.”

Havia a percepção de que o Pantanal tem particularidades que precisavam ser reconhecidas na legislação ambiental. Durante a tramitação do novo Código Florestal, especialistas de instituições de pesquisa alertaram que, se o bioma fosse enquadrado nas mesmas regras de outros ecossistemas, toda a planície poderia ser convertida em área de reserva, inviabilizando a pecuária extensiva que há mais de dois séculos se adaptou ao regime natural de cheias e secas.

 

Artigo 10

O chamado ‘Artigo 10’ foi a solução encontrada para compatibilizar a legislação ao contexto do Pantanal. Ele estabeleceu que cada estado pantaneiro — Mato Grosso e Mato Grosso do Sul — deveria definir normas próprias para o uso sustentável da região. Assim, garantiu-se segurança jurídica para os produtores, reconhecendo o papel da pecuária extensiva como atividade produtiva e, ao mesmo tempo, como aliada da conservação, já que o manejo das pastagens nativas ajuda a reduzir o risco de incêndios e mantém preservado 84% do bioma.

A presença da Embrapa no Pantanal sempre esteve ligada à articulação institucional. Programas como o Fazenda Pantaneira Sustentável (FPS) nasceram do diálogo com produtores e ganharam escala graças a parcerias com Famato, Senar-MT, IMEA e a coalizão Pontes Pantaneiras, além do apoio de assembleias legislativas e governos estaduais, que transformaram recomendações científicas em normas legais. Essa rede se ampliou para o cenário internacional, atraindo instituições como a Pew Charitable Trust, a Embaixada dos Estados Unidos, o Smithsonian, a UCL, que veem no Pantanal um modelo de produção de baixo impacto capaz de dialogar com mercados exigentes.

Essa articulação também envolve a sociedade local. Povos originários, pescadores, comunidades ribeirinhas e agricultores familiares têm sido integrados aos projetos, numa lógica em que ciência e saberes tradicionais caminham juntos. Trata-se de uma rede ampla, que reúne instituições públicas e privadas, nacionais e internacionais, em busca de soluções sustentáveis para o Pantanal.

 

Fazendas sustentáveis

No Pantanal, onde cada fazenda tem características únicas, a ciência encontrou uma forma de traduzir essa diversidade em números e orientações: a ferramenta Fazenda Pantaneira Sustentável (FPS). Trata-se de um software de suporte à decisão. Ele foi adotado em um programa já consagrado em Mato Grosso e de um projeto-piloto em implementação em Mato Grosso do Sul. O componente tecnológico estrutura todo o processo de diagnóstico, via aplicação do software e orientação às propriedades pantaneiras.

O Programa em MT é uma realização conjunta da Embrapa, Famato, Senar-MT com apoio do IMEA, produtores e sindicatos rurais de Mato Grosso e no Mato Grosso do Sul o projeto piloto é uma realização do Pontes Pantaneiras formada por uma coalização quais integra uma união de esforços entre o Instituto de Pesquisas Ecológicas, Embrapa Pantanal, Smithsonian, Pew, UCL e produtores rurais. Ambas as iniciativas são baseadas na aplicação do Software Fazenda Pantaneira Sustentável nas propriedades atendidas pelas iniciativas. O software foi desenvolvido a partir de 56 indicadores, numa atuação conjunta entre a Embrapa Pantanal, Embrapa Agricultura Digital e Embrapa Pecuária Sudeste conforme relata o analista Helano Povoas de Lima, da Embrapa Agricultura Digital. O sistema FPS aborda as três dimensões da sustentabilidade - ambiental, econômica e sociocultural. A atual presidente da Embrapa, Silvia Massruhá, foi do grupo de pesquisadores que desenvolveu o sistema.

O resultado é um diagnóstico individualizado de cada propriedade, indicando tecnologias e boas práticas para conciliar produtividade e conservação. Como resume Suzana Salis, “não dá para aplicar a mesma receita em todas as fazendas. O FPS faz uma leitura individualizada e indica exatamente o que cada produtor precisa fazer para melhorar seus índices”.

Até agora, mais de 70 fazendas já foram avaliadas em Mato Grosso, e em 2025 o projeto iniciou um piloto em nove propriedades no Mato Grosso do Sul, conduzido pela coalizão Pontes Pantaneiras, formada por Embrapa Pantanal, Instituto de Pesquisas Ecológicas, Smithsonian, Pew Charitable Trusts e UCL – University College of London.

Em agosto de 2025, um encontro promovido por Famato, Senar-MT e Embrapa Pantanal reforçou o reconhecimento do pantaneiro como guardião do bioma. Para Suzana Salis, chefe-geral da Embrapa Pantanal, “o Programa Fazenda Pantaneira Sustentável foi desenvolvido para avaliar a sustentabilidade das fazendas pantaneiras. São 56 indicadores que abrangem desde aspectos ambientais até sociais e econômicos. Expandir esse projeto significa apoiar o produtor rural e dar visibilidade às práticas sustentáveis que já acontecem no Pantanal”.

Além disso, o FPS se diferencia por avaliar não apenas a dimensão ambiental — incluindo o papel das forrageiras nativas na manutenção dos serviços ecossistêmicos — mas também as condições sociais e de infraestrutura das comunidades, como acesso à saúde, educação e estradas. Na visão do pesquisador Jorge Lara, da Embrapa Pantanal, o programa ajuda a “provar que a produção agropecuária brasileira é sustentável”, abrindo caminhos para certificações, mercados diferenciados e linhas de crédito.

 

Embrapa Pantanal hoje

  • Fazenda Pantaneira Sustentável (FPS): mais de 50 indicadores para orientar boas práticas.
  • Monitoramento hidrológico: modelos para prever impactos das mudanças climáticas.
  • Restauração: projetos na bacia do Taquari e em áreas afetadas por incêndios.
  • Bioeconomia: aproveitamento de frutos nativos, mel e plantas medicinais.
  • Integração social: diálogo com ribeirinhos, pescadores e povos originários.

 

Fazenda Pantaneira Sustentável (FPS) em números

Indicador  

Descrição

Metodologia Avalia a sustentabilidadede forma integrada
Indicadores Mais de 50 indicadores distribuídos em três dimensões: ambiental, social e econômica.
Propriedades MT Mais de 70 fazendas já avaliadas
Projeto-piloto MS Nove propriedades integradas em 2025 pela coalizão Pontes Pantaneiras
Parcerias Famato, Senar-MT, IEMA, Pontes Pantaneiras formado por uma coalização entre o Instituto de Pesquisas Ecológicas, Embrapa Pantanal, Smithsonian, Pew e UCL
Objetivo Fornecer diagnóstico individualizado da fazenda e orientar boas práticas para conciliar produtividade e conservação, trilhando caminhos para uma futura certificação de sustentabilidade alicerçada em ciência.

 

Pressões crescentes

Apesar de ser um dos biomas mais preservados do país, o Pantanal enfrenta pressões cada vez mais intensas. As mudanças climáticas alteram a periodicidade e a intensidade das cheias e secas, desafiando o manejo tradicional. Walfrido Tomás, da Embrapa Pantanal, lembra: “Não há dúvida de que tudo o que acontece já é influenciado pelas mudanças climáticas.”

Em 2020, os incêndios atingiram cerca de 30% do Pantanal brasileiro, devastando milhões de hectares e provocando mortandade de animais. De acordo com Carlos Padovani, o futuro do Pantanal depende de duas condições fundamentais: a produção de conhecimento científico e sua efetiva chegada aos produtores. “Não existe futuro do Pantanal sem conhecimento. Se os produtores não tiverem informações claras sobre como adaptar seus sistemas às novas condições climáticas, o risco de perda é enorme.”

 

Economia e território

Outro desafio é a transformação da estrutura fundiária. Muitas fazendas se fragmentaram ao longo das gerações, tornando-se menores e exigindo maior eficiência tecnológica. Ao mesmo tempo, novos investidores externos têm adquirido áreas e tentado impor modelos intensivos de pecuária, frequentemente incompatíveis com o ambiente.

O resultado pode ser perda econômica e degradação ambiental. Padovani alerta: “Quem não respeita o pulso das águas acaba fracassando. A história mostra que tentar repetir aqui o que deu certo em outros biomas é receita para prejuízo.”

A permanência das famílias pantaneiras também depende de uma nova lógica econômica: valorizar os serviços ambientais prestados pelo bioma — da regulação hídrica da bacia do rio Paraguai à manutenção da biodiversidade que sustenta pesca e turismo. Isso requer políticas públicas consistentes e mercados que reconheçam e remunerem a sustentabilidade. Como diz Walfrido Tomas: “Valorizar as atividades tradicionais e oferecer alternativas sustentáveis é parte da estratégia de resiliência do Pantanal.”

 

Produzir e conservar, conservar e produzir

O Pantanal é um patrimônio natural, cultural e econômico cuja conservação interessa não apenas ao Brasil, mas ao mundo. Sua singularidade está em combinar tradição e produção: a pecuária extensiva, adaptada ao pulso das águas, continua sendo o pilar da economia e, ao mesmo tempo, fator de manutenção das pastagens nativas.

A pesquisa brasileira, liderada pela Embrapa Pantanal em parceria com produtores e instituições, mostra que no bioma produção e conservação não são caminhos opostos, mas condições interdependentes de sobrevivência. O futuro do Pantanal dependerá da capacidade de ampliar o uso de tecnologias sustentáveis e assegurar que a ciência continue ajudando a orientar decisões

 

Desafios do futuro

Desafio

Descrição

Mudanças climáticas Extremos de cheias e secas, com aumento do risco de grandes incêndios.
Estrutura fundiária Fragmentação de propriedades e chegada de investidores externos sem vínculo com a tradição local.
Modelos produtivos inadequados Risco de prejuízos econômicos e ambientais ao aplicar fórmulas de outros biomas.
Valoração ambiental Necessidade de reconhecer os serviços ecossistêmicos prestados pelo Pantanal, como regulação hídrica e manutenção da biodiversidade.
Políticas públicas Criar e aplicar marcos legais que garantam a conciliação entre produção e conservação.
Transferência de tecnologias e boas práticas agropecuárias Adaptar à cultura local processos de inovação na busca pelo aumento eficiente e sustentável.

 

Jorge Duarte (MTb 2.914/DF)
Assessoria de Comunicação (Ascom)

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