03/07/25 |   Comunicação

Artigo - Cerrados e a travessia da ciência: 50 anos de transformação agrícola e compromisso com o futuro

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Foto: Fabiano Bastos

Fabiano Bastos -

Por Sebastião Pedro, chefe-geral da Embrapa Cerrados.

Há meio século, o Cerrado era visto por muitos como uma terra de impossibilidades, quase um deserto de terras vermelhas, de solos pobres, vegetação retorcida e longos períodos sem chuva. Um bioma que parecia desafiar a ideia tradicional de produtividade. Mas também era – e ainda é – o bioma do inesperado. Uma das regiões mais biodiversas do planeta, um mosaico de formas de vida.

E foi nesse território de desafios que a ciência decidiu fincar os pés – há exatos 50 anos, com a criação da Embrapa Cerrados. Naquele tempo, poucos acreditavam que seria possível transformar a terra vermelha do Planalto Central brasileiro em solo fértil, produtivo e sustentável. E hoje, cinco décadas depois, o resultado está nos números e, mais do que isso, na vida que brota de onde antes se dizia ser impossível.

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a safra nacional de cereais, leguminosas e oleaginosas deve atingir, em 2025, 330 milhões de toneladas, um aumento de 12% em relação à do ano anterior. Mais da metade disso (50,4%) virá do Brasil Central. Nos últimos 34 anos, a produção agropecuária nacional avançou 471% – um inegável ganho de eficiência.

Quem cruza hoje o Centro-Oeste testemunha não mais o vazio, mas a vida em lavouras que se estendem pelo horizonte. A agricultura do Cerrado se diversificou — aqui se cultiva de tudo: café, girassol, maracujá, feijão, soja, milho, seringueira. Em áreas onde mal havia pasto para o gado, hoje se colhem até três safras ao ano.

Mas o mais surpreendente é a forma como foi feita essa transformação: com base na ciência, na inovação e no manejo sustentável dos recursos naturais. O que começou com a correção de solos ácidos usando calcário e gesso agrícola — este último, antes, um descarte da indústria — tornou-se insumo-chave para a competitividade da agricultura nacional.

Momento de celebração e reflexões

Neste 2025, ano em que a Embrapa Cerrados celebra 50 anos, é tempo de fazer uma retrospectiva e perguntar: o que aprendemos com os solos que um dia nos disseram serem inférteis, com o clima dito inóspito do bioma e da biodiversidade desconhecida até pouco tempo atrás? 

A resposta não cabe em uma frase, tampouco se encerra em números. Mas é possível dizer que aquele Cerrado desacreditado é hoje o grande celeiro do Brasil. Mais de 50% da produção nacional de grãos vem de seus campos. O milho da segunda safra, que hoje colhemos em abundância, a soja que cobre o horizonte, o trigo que um dia foi exclusividade das regiões temperadas. Tudo isso floresceu onde antes só pastavam algumas poucas cabeças de gado.

Essa virada de chave não foi mágica – foi feita de ciência, insistência e muito empenho diante do desconhecido. Vários ouviram que era impossível cultivar aqui, que era sonho e, ainda assim, persistiram. E ao fazer isso, ajudaram a mudar o rumo da agricultura tropical, do próprio país e, por que não, do planeta?

Assim como a correção dos solos, a adaptação das culturas agrícolas às condições do Cerrado por meio do melhoramento genético foi crucial para o sucesso da agricultura topical. E em poucas décadas, veio a abundância. As lavouras de soja passaram de 18 milhões de toneladas em 1990 para uma estimativa de 164 milhões em 2025. 

O trigo, com a cultivar BRS 264, resultado de décadas de pesquisa na Embrapa Cerrados, saiu de 20 para 160 sacas por hectare – recorde mundial, alcançado no município goiano de Cristalina. Tudo isso com tecnologias que diminuem o uso de insumos químicos e as emissões de carbono em milhões de toneladas por ano.

O Brasil se tornou competitivo não por esgotar seus recursos, mas por aprender a aproveitá-los da melhor maneira. A seleção de bactérias capazes de absorver o nitrogênio do ar e fixá-lo nas raízes das plantas levou ao uso da Fixação Biológica de Nitrogênio nas lavouras de soja. A tecnologia gera uma economia anual de US$ 16,4 bilhões ao substituir os fertilizantes nitrogenados, além de evitar a emissão de 206 milhões de toneladas de CO₂ equivalente, considerando apenas as lavouras de soja. Já nas lavouras de milho, é possível reduzir em até 24% as emissões de gases de efeito estufa por tonelada produzida.

O experimento de Integração Lavoura-Pecuária (ILP) mais antigo do Brasil, implantado na Embrapa Cerrados em 1991, é exemplo disso. Hoje, são mais de 17 milhões de hectares no Brasil com sistemas integrados que conservam o solo, diversificam a produção e diminuem a pressão pela abertura de novas áreas para produção de alimentos.

Há também os bioinsumos, alternativa sustentável aos insumos químicos, cuja adoção vem crescendo a uma taxa de 13% ao ano, com 156 milhões de hectares tratados, capazes de evitar a emissão de até 18,5 milhões de toneladas de CO₂. O país já desponta como líder global nesse setor.

Mais recentemente, a Embrapa Cerrados desenvolveu a Bioanálise de Solos (BioAS), que avalia a saúde dos solos, ferramenta crucial para orientar práticas de manejo mais sustentáveis, ajudando o agricultor a enxergar a vida que existe debaixo da terra e mantém a vida acima dela.

Também aqui, nos laboratórios da Embrapa Cerrados, nasceu o Zoneamento Agrícola de Risco Climático, tecnologia baseada em dados históricos que ajuda o produtor a decidir a melhor época de plantio para reduzir perdas causadas por adversidades climáticas, como secas e geadas. 

Hoje, essa ferramenta é política pública usada em programas de crédito e de seguro agrícolas, proporcionando segurança aos nossos produtores rurais e aplicação mais eficiente de recursos públicos.

Diante de tantas conquistas, algumas perguntas devem permanecer: como queremos prosseguir? A resposta, mais uma vez, precisa vir da ciência. A agricultura que celebra recordes de produtividade precisa também liderar a transição para sistemas regenerativos com uso racional dos recursos naturais. E isso já está em curso.

O caminho iniciado por Edson Lobato, primeiro cientista brasileiro a receber o The World Food Prize, o “Prêmio Nobel” da Agricultura, e por tantos outros desbravadores precisa continuar com responsabilidade e visão de futuro. Afinal, como bem lembrou um produtor pioneiro da região, Luiz Vicente Ghesth, em sessão solene na Câmara Legislativa do Distrito Federal em homenagem aos 50 anos da Embrapa Cerrados: “Não existe maior ato preservacionista no mundo como a possibilidade de produzir três safras em uma mesma área, sem precisar abrir novas fronteiras”. Este é o desafio: aumentar a produção, sim, mas com respeito aos recursos naturais do bioma. 

A agricultura tropical que hoje orgulha o mundo foi construída também por nós, com ciência, suor e sonho. A Embrapa Cerrados, ao completar 50 anos, carrega em sua história a honra de ter participado da transformação de uma das regiões mais desafiadoras do Brasil em um polo global de produção de alimentos, fibras e energia. E carrega também a responsabilidade — e a oportunidade — de liderar os próximos passos: preservar, regenerar, integrar conhecimentos, promover uma agropecuária que respeite o solo, a água, o clima e o ser humano.

Embrapa Cerrados

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