02/07/25 |

Artigo - O Termômetro de Bonn

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Marcelo A. Boechat Morandi

Chefe Relações Internacionais da Embrapa

 

Nas últimas duas semanas de junho, os termômetros em Bonn marcavam altas temperaturas, acima das esperadas naquela região da Alemanha. Um ‘calorão’, dito em português popular! Poucos edifícios lá possuem ar condicionado, apesar de todos terem aquecedores.

Foi neste cenário que aconteceu a 62ª Reunião dos Órgãos Subsidiários (SB62) da Conferência do Clima. Esta reunião anual da UNFCCC é a preparatória para as COP, Conferência das Partes sobre o Clima, que este ano será presidida pelo Brasil, em novembro.

A SB62 foi quente também nos debates e na expectativa para a COP30. A COP, maior reunião anual multilateral do sistema ONU, gera várias dimensões de expectativas incluindo os necessários avanços na Agenda de Negociação, que ocorre entre os quase 200 países signatários da Convenção do Clima; os sinais emitidos pela Cúpula de Líderes Globais, onde se reúnem os chefes de Estado de todo o mundo para dar o tom do nível de comprometimento de cada Parte; e, na Agenda de Ação, aquela que é direcionada pela presidência da COP, mas que envolve as ações de todos os atores que estão fora da negociação formal, incluindo governos subnacionais, sociedade civil, e as iniciativas setoriais.

O primeiro exercício da Presidência brasileira da COP30 trouxe elementos positivos. Neste ambiente de ‘calorão’ foi bem recebida a proposta brasileira de dar foco em implementar aquilo que já vem sendo construído ao longo dos anos anteriores e que já são decisões acordadas, como os pontos centrais do Balanço Global (GST, Global Stocktake, da sigla em inglês), adotado na COP28.

É claro que isto não afasta as divergências, cada vez mais acentuadas pelas incertezas geopolíticas no mundo e pelos (legítimos) interesses de cada país/região em promover seu desenvolvimento e proteger suas economias.

Diante deste cenário, há espaço para o ‘mutirão’ proposto pelo Brasil? Um trabalho compartilhado, que demanda esforço de todos, mas que pode causar impacto benéfico amplo. Este é o sentido do termo, que os gringos têm dificuldade de pronunciar. Dá para casar estas perspectivas dos interesses nacionais com as ações globais?

Há espaço sim. Lembrando que os efeitos das mudanças climáticas não respeitam fronteiras geográficas, e que todas as economias irão sofrer suas consequências – algumas mais que as outras, é verdade. Há ações pré-competitivas que podem ser compartilhadas e criar um ambiente melhor para que os custos de adaptação e de mitigação sejam menores e mais aceitáveis. Custos aqui incluem financeiros, de recursos naturais, de saúde e de proteção social, que reduzam por exemplo a migração em massa por questões de fome e desastres naturais e econômicos.

É importante lembrar que o tempo não está a nosso favor! Cada vez mais os custos de reduzir as emissões de gases de efeito estufa (GEE) – mitigação – e a capacidade de modificar os sistemas produtivos para conviver com a nova realidade climática – adaptação – fica maior e mais proibitivo. Este é um dos temas centrais da negociação nas COPs: o financiamento climático, especialmente para os países em desenvolvimento promoverem ações de mitigação e adaptação. Na última COP este valor foi estimado em US$1.3 trilhão anuais. O mapa do caminho para se atingir esta cifra é um dos tópicos em discussão e que ocupará espaço na COP30.

A Agenda de Negociação

Dentro da agenda de negociação formal que estará na pauta no Brasil, dois temas de interesse tiveram avanço importante nos textos base que serão discutidos na COP30.

O primeiro deles diz respeito aos indicadores das metas globais de adaptação. (GGA, da sigla em inglês). O estabelecimento destes indicadores é fundamental para dar capacidade de medir o impacto das ações e tecnologias que estão sendo empregadas para conviver com os impactos das mudanças climáticas já presentes. Ter bons indicadores é um elemento-chave não só para direcionar a geração de tecnologia, mas para dar segurança para o financiamento climático (sejam públicos ou privados) nesta direção. Se não há boas formas de medir, o risco de investimento fica alto e o dinheiro é direcionado para outras ações mais seguras para os detentores do capital.

O segundo tema diz respeito ao programa de trabalho de transição justa. Como realizar as transformações necessárias, incluindo temas de extrema relevância para o alcance da meta do Acordo de Paris (manter o aquecimento médio global em no máximo 1,5°C) como a transição energética e a redução da dependência de fósseis – maior causa das emissões globais de GEE – de forma equitativa e segura? Como fazer uma transição para uma economia de baixo carbono que possa trazer princípios de equidade e mais resiliência? Como tratar as decisões climáticas dentro do contexto da tomada decisão econômica dos países? São questões de alta complexidade que estão presentes nas salas de negociação. Relembrando que o Balanço Global (GST), adotado na COP28 traz pela primeira vez a linguagem de afastamento dos combustíveis fósseis nas negociações de clima, com metas como triplicar o uso global de energias renováveis e dobrar a eficiência energética, temas muito caros ao Brasil.

Um item novo que surgiu na discussão da agenda de transição justa causou bastante dificuldade e será certamente um ponto contencioso na COP30: medidas unilaterais comerciais. Este é um tema que interessa muito aos países em desenvolvimento e que será preciso estar atento aos desdobramentos que se seguirão.

Ainda na agenda de negociação, as atividades do Grupo de Trabalho de Sharm El-Sheikh para implementação de Ações Climáticas em Agricultura e Segurança Alimentar (SJWA, da sigla em inglês) incluiu a realização de um workshop onde foram discutidas as diferentes perspectivas e visões sobre a agricultura sustentável, resiliente e de baixa emissão de carbono. Ficou mais uma vez muito explícito – e isso é muito importante ser sempre repetido e reforçado nos fóruns multilaterais – que a agricultura tem uma especial vulnerabilidade às mudanças climáticas e que as ações de adaptação e construção de resiliência são fundamentais para a segurança alimentar e a decisiva contribuição do setor como parte da solução climática.

A diversidade de contextos deixa muito claro que não há um modelo único de agricultura, e que a convivência e coexistência de diferentes sistemas é fundamental para a garantia da produção de alimentos, energia e outros produtos da agricultura mundo afora. Mas, também nos chama à responsabilidade de incorporar princípios, tecnologias e inovações que promovam uma convivência da agricultura com a preservação e manutenção dos recursos naturais, que promovam a regeneração do solo e que sejam eficientes em promover controle e redução das emissões de GEE.

Além do workshop, houve discussões sobre os outros elementos que compõe o Roadmap do SJWA. O Relatório Síntese foi apresentado pelo Secretariado da UNFCCC reunindo informações sobre as ações que os diferentes organismos internacionais, entidades financeiras e outras no âmbito da Convenção do Clima têm empreendido em atividades relacionadas com a implementação de ações climáticas na agricultura e na segurança alimentar (disponível em: https://unfccc.int/documents/645740). O relatório compila muita informação, útil para uma análise das oportunidades e lacunas de ações e de financiamento para a agricultura. Ficou muito claro que há uma deficiência enorme neste processo à nível global e que há muitas lacunas em proporcionar acesso aos meios de implementação para esta transição, especialmente quando o foco é adaptação e apoio aos mais vulneráveis.

O terceiro elemento componente do Grupo de Trabalho para implementação de Ações Climáticas em Agricultura e Segurança Alimentar é uma ferramenta que precisamos dar atenção. O portal online de Sharm El- Sheikh (https://unfccc.int/topics/land-use/workstreams/agriculture/sharm-el-sheikh-online-portal) foi criado para dar visibilidade a políticas e projetos de agricultura e segurança alimentar, facilitar a troca de experiências e promover a possibilidade de conectar ações em agricultura a financiamentos. A expectativa é que essa plataforma se consolide como uma vitrine de ações climáticas, conectando as pontas necessárias para dar escala e gerar soluções para a agricultura e segurança alimentar.

O portal ainda precisa de ser finalizado para incorporar ferramentas que permitam alcançar estes objetivos propostos. Mas, já é possível submeter projetos, políticas e iniciativas em agricultura e começar a povoar este espaço, ainda vazio, para que ele possa ser uma ferramenta útil. Teremos muito para mostrar sobre o caminho que está sendo trilhado pela agricultura brasileira nesta jornada e buscar relações ganha-ganha neste processo.

Os trabalhos do SJWA continuarão na COP30, como estabelecido no texto de conclusão acordado em Bonn (https://unfccc.int/documents/648139). Ótima oportunidade para aprofundar a compreensão do papel da agricultura como parte da solução climática e fomento da segurança alimentar. E ocasião única de mostrar a agricultura tropical, seus avanços e desafios.

A Agenda de Ação

A Presidência brasileira da COP30 apresentou em Bonn a proposta de Agenda de Ação (https://cop30.br/pt-br/presidencia-da-cop30/cartas-da-presidencia/quarta-carta-da-presidencia-brasileira), que traz três princípios: (i) Alinhar a Agenda de Ação ao que já foi acordado nas COPs da UNFCCC e no Acordo de Paris; (ii) Alavancar as iniciativas existentes para acelerar e ampliar a implementação climática; e (iii) Dar impulso à transparência, ao monitoramento e ao cumprimento de compromissos e iniciativas, existentes e novos. A Agenda de Ação foca em implementar ativamente os compromissos acordados, com foco no Primeiro Balanço Global (GST) do Acordo de Paris.

Está organizada em seis eixos temáticos que abrangem mitigação, adaptação e meios de implementação: (i) Transição nos Setores de Energia, Indústria e Transporte; (ii) Gestão Sustentável de Florestas, Oceanos e Biodiversidade; (iii) Transformação da Agricultura e Sistemas Alimentares; (iv) Construção de Resiliência em Cidades, Infraestrutura e Água; (v) Promoção do Desenvolvimento Humano e Social; e, o eixo transversal, (vi) Catalisadores e Aceleradores, incluindo Financiamento, Tecnologia e Capacitação.

Dentro do eixo Agricultura e Sistemas Alimentares, estão incluídos três objetivos-chave: recuperação de áreas degradadas e agricultura sustentável; sistemas alimentares mais resilientes, adaptados e sustentáveis; e acesso equitativo a alimentação adequada e nutrição para todos.

Temos muito para mostrar, temos muito a fazer. Realizamos uma imensa tarefa de adaptação em agricultura tropical nos últimos 50 anos. Tínhamos solos pobres, sem variedades adaptadas, e desenvolvemos isso. Desenvolvemos sistemas de cultivo adequados aos solos tropicais e que nos permitem produzir mais de uma safra por ano na mesma área. Agora, precisamos dar outro passo significativo na adaptação às mudanças climáticas. Isto inclui a restauração de solos que foram degradados neste processo, o fomento à conservação e preservação das áreas de vegetação nativa dentro e fora das propriedades rurais, a restauração de áreas sensíveis e uma especial atenção à saúde do solo nas áreas de agricultura. Mas não temos mais 50 anos para isso, precisamos fazer com mais eficiência e incluindo mais agricultores no processo, especialmente os médios e pequenos. Mais uma vez, os elementos-chave para alcance destes objetivos são o acesso aos meios de implementação: tecnologia, capacitação e financiamento.

A AgriZone

Em paralelo aos espaços formais, durante a COP30, a Embrapa está criando um espaço inclusivo para conectar agricultura e ciência, promovendo o intercâmbio, o diálogo e a apresentação de esforços de implementação que apoiem a adaptação às mudanças climáticas e garantam a segurança alimentar para todos, agora e no futuro.

O AgriZone servirá como uma plataforma colaborativa para promover o diálogo e compartilhar experiências entre todas as partes interessadas envolvidas no avanço da agricultura sustentável diante das mudanças climáticas. Este espaço será sediado na Embrapa Amazônia Oriental, em Belém, Brasil, convenientemente localizado próximo ao local oficial da BlueZone.

De 10 a 21 de novembro de 2025, o AgriZone apresentará uma programação dinâmica, incluindo mostra de tecnologia, visitas de campo em diferentes sistemas produtivos, trilha em áreas preservada de floresta, praça de alimentação local e um mercado de sociobiodiversidade, além de oportunidades de networking e eventos técnicos (https://www.embrapa.br/cop30/eventos-na-agrizone).

Voltando ao início: a ausência de ar condicionado nos edifícios de Bonn e o desconforto que isto causa em situações cada vez mais frequente de ondas de calor. Tenho certeza que os alemães irão achar soluções e recursos para esta (simples) adaptação para refrescar as suas casas e prédios.

É um pequeno exemplo indicativo que as mudanças estão acontecendo e que demandarão um urgente esforço de adaptação. Em todos os ambientes (rural ou urbano) e em todas as atividades humanas (indústria, agricultura, energia, serviços etc.). Globalmente, os desafios são muito maiores e mais complexos, especialmente para os países em desenvolvimento. O custo será elevado. O tempo é limitado. E isso terá que ser feito ao mesmo tempo que a ambição global de redução das emissões de GEE precisa ser ampliada. Aguardamos ansiosos as novas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC) que nos dará uma visão do rumo que estamos tomando como humanidade. O ‘business as usual’ não nos levará longe.

Em tempo: outro tema esquentou as conversas em Bonn – a infraestrutura de Belém para receber a COP30. É fundamental que se assegure que a COP receba todos os países, todas as delegações com conforto mínimo que proporcione um ambiente de negociação e ação saudável e tranquilo. A legitimidade da COP30 depende disto. O questionamento em Bonn foi muito contundente. Os preços de hotel em Belém estão até três vezes maiores do que a COP mais cara. É preciso uma solução efetiva e imediata. O Brasil não pode desperdiçar oportunidade tão ímpar.

Marcelo Morandi
Assessoria de Relações Internacionais

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