Representantes dos setores público e privado debatem desafios para o mercado de carbono
Representantes dos setores público e privado debatem desafios para o mercado de carbono
Foto: Ricardo de Freitas
Da esquerda para direita: Bruno Alves (moderador), Telmo Borges, Emily Dionízio, Juliana Monti e Murilo Geres
Apresentação de iniciativas na América Latina e Caribe encerraram o último dia do LAC Soil Carbon 2025, no Museu do Amanhã, RJ
Uma mesa redonda reuniu representantes dos setores público e privado para debater iniciativas sobre crédito de carbono e esquemas de certificação na agricultura de países da América Latina e Caribe. O evento encerrou o Simpósio Latino-Americano e Caribenho de Pesquisa de Carbono do Solo (LAC Soil Carbon 2025), que reuniu 358 pessoas de 22 países no Museu do Amanhã, RJ, de 25 a 27 de junho. Entre os principais pontos acordados pelos especialistas destacam-se os muitos desafios a serem vencidos para fortalecer o mercado de carbono em nível global e a necessidade premente de integração contínua entre ciência, setor produtivo e formuladores de políticas públicas.
A representante do World Resources Institute (WRI), Emily Dionízio, apresentou o Protocolo GHG (Greenhouse Gas Protocol), o guia mais utilizado hoje no mundo para reportar remoções de carbono. Desenvolvido em parceria entre o WRI e World Business Council for Sustainable Development (WBCSD), o protocolo oferece um conjunto de padrões e ferramentas globalmente reconhecidos para medir, gerenciar e reportar as emissões de gases de efeito estufa (GEE) de empresas e governos. Ele fornece uma estrutura para contabilizar as emissões de diferentes fontes e atividades, auxiliando na gestão e redução do impacto climático das organizações.
Segundo Dionízio, o GHG foi lançado na década de 1990 com base em valores atestados pela ciência. Em 2014, foi desenvolvido o primeiro guia voltado à agricultura brasileira. Hoje, o documento está em revisão para incorporar novos indicadores adaptados a esse setor no País. “Oitenta e cinco (85) fatores de emissão de GEE serão contemplados na nova versão”, complementou a bióloga.
A supervisora Socioambiental da Agropecuária Maggi, Juliana Monti, falou sobre o programa Amaggi Regenera, uma iniciativa sustentável de certificação da agricultura regenerativa da empresa, que tem mais de 40 anos de atuação no Brasil. A Maggi tem parceria com a Embrapa desde 2021 baseada em três pilares: solo, biodiversidade e pessoas. Para cada um desses pilares, há práticas e indicadores definidos. “É um exemplo concreto de tradução da ciência para o campo, que surgiu a partir dessa cooperação”, ressaltou.
Murilo Geres, da Marfrig Global Foods, falou sobre o programa Carne Carbono Neutro, uma marca conceitual desenvolvida em parceria com a Embrapa. A base do programa é certificar produtos oriundos de sistemas que integram lavoura, pecuária e floresta (ILPF). Segundo o especialista, o programa está enfrentando problemas com o escoamento da madeira gerada pelas florestas, uma vez que a maior parte das propriedades de criação de gado está concentrada na Região Centro-Oeste, especialmente nos estados de Mato Grosso, Goiás e Mato Grosso do Sul, e as madeireiras, na Região Sul. “Essa logística dificulta a rotina dos produtores e, especialmente por isso, hoje só temos uma fazenda certificada no Brasil”, explicou Geres.
Por isso, a Embrapa e a Marfrig vão lançar na COP30, que acontece em novembro, em Belém, Pará, o programa Carne Baixo Carbono. A iniciativa é mais simples, uma vez que é baseada apenas em práticas de manejo do solo, como a rotação de pastagem, entre outras. “Trata-se de uma ação que alia sustentabilidade e rentabilidade. Mais de 20 mil hectares de áreas de fazendas já estão sendo treinadas nessas técnicas”, acrescentou.
Telmo Borges, superintendente de Mudanças do Clima da Secretaria Estadual de Ambiente e Sustentabilidade (SEAS-RJ), citou um acordo de cooperação técnica firmado com Embrapa, que resultou em mapas de estoque de carbono orgânico do solo englobando todo o estado do Rio de Janeiro. O mapeamento foi feito em duas profundidades, 0-20 e 30-50 centímetros, na resolução espacial de 30 metros, o que equivale a aproximadamente uma escala de 1:100.000. Na primeira profundidade (0-20 cm), foram quantificadas cerca de 189 milhões de toneladas de carbono e, na segunda (30-50 cm), aproximadamente 119 milhões de toneladas. Esses dados podem subsidiar políticas públicas e inventários em larga escala, além de fomentar o mercado de créditos de carbono no estado.
Os mapas de estoque de carbono no solo estão disponíveis para a sociedade na plataforma da Infraestrutura de Dados Espaciais da Embrapa (Geoinfo).
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Segundo Borges, a área de Mata Atlântica no estado abrange 1.447069,81 hectares. Dessa quantidade, 33% são de áreas preservadas com vegetação nativa; 35% outros usos e 3% de água. “Nossa meta é aumentar o montante preservado para 40% até 2050”, enfatizou.
Para o superintendente, as soluções para reduzir as emissões de carbono na agricultura vão muito além de créditos de carbono. "É fundamental investir em iniciativas sustentáveis, como a transição agroecológica dos sistemas produtivos”, concluiu.
Especialistas trazem experiências nacionais e internacionais sobre mercado de carbono
A última plenária do LAC Soil Carbon 2025, moderada por Deborah Bossio, cientista-chefe da The Nature Conservancy (TNC), debateu nesta sexta-feira (27/6) os desafios para a implementação de mercados de carbono, mostrando experiências nacionais e internacionais.
Bruno Basso, professor da Michigan State University, falou sobre experiências de mercados de carbono nos Estados Unidos da América, destacando lições aprendidas e direcionamentos para o futuro. Ele explicou que não existe um mercado federal de carbono nos EUA, mas muitas iniciativas estaduais e voluntárias surgiram nos últimos anos. Esses mercados estão evoluindo de esforços fragmentados e baseados em projetos-piloto para ecossistemas mais integrados e orientados por dados, e as lições dos programas existentes mostram a necessidade de um MRV transparente.
Edouard Lanckriet, da Bioline by InVivo, falou da experiência francesa do Selo de Baixo Carbono e as dificuldades enfrentadas. No momento, segundo o especialista, não existe um regime harmonizado de produção de carbono no solo, e os agricultores têm de utilizar esquemas e ferramentas de MRV isolados, com sistemas dispendiosos em tempo e dinheiro. De acordo com ele, um MRV público, com ferramentas desenhadas a partir da experiência do agricultor, é o caminho para fortalecer a efetividade das abordagens de inserção e compensação, que levem à transição agrícola de baixo carbono.
A professora Beverley Henry, da Queensland University of Technology, falou sobre o esquema nacional de crédito de carbono da Austrália, que tem uma década de experiência em política de agricultura de carbono, fornecendo um estudo de caso útil sobre oportunidades e barreiras. De acordo com a especialista, as principais lições aprendidas ao longo da década são a participação voluntária dos agricultores, a importância crítica da integridade das compensações e a pesquisa científica contínua para melhorias da tecnologia MRV.
Daniel Barcelos Vargas, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), fechou a plenária falando sobre políticas para remoção de carbono no Brasil e na América Latina e Caribe. Ele ressaltou que um dos grandes desafios enfrentados ao longo da história é que modalidades que na percepção dos cientistas seriam consideradas bons créditos, o mercado não está disposto a pagar. “O reconhecimento do que é um bom crédito não é de quem produz e de quem gera, é de quem compra. E quem compra boas práticas desses créditos hoje são, spbretudo, empresas europeias e norte-americanas”, afirmou.
Na foto abaixo, a cerimônia de encerramento do evento com as presenças de: Paul Luu, secretário-executivo da iniciativa 4 por 1.000; Suzanne Reynders, diretora-executiva do projeto ORCaSa; Beata Madari, pesquisadora da Embrapa Arroz e Feijão; e Maria Eugênia Escobar, presidente da Sociedade Brasileira de Ciência do Solo.
Painel reúne 12 especialistas para discutir sequestro de carbono e segurança alimentarO sequestro de carbono para produção agrícola sustentável, saúde do solo e segurança alimentar foi o tema da sessão plenária na manhã do segundo dia do simpósio, na quinta-feira (26/6). A primeira parte teve mediação de Jagdish Kumar Ladha, professor da Universidade da Califórnia. Mauricio Cherubin, vice-diretor do Centro de Pesquisa de Carbono na Agricultura Tropical (CCARBON/USP), mostrou como a saúde do solo é a base de uma agricultura tropical mais produtiva e resiliente, e apresentou o recém-lançado mapa da saúde do solo da América Latina, trabalho pioneiro publicado na revista Nature. A pesquisadora Virginia Pravia, do Instituto Nacional de Investigação Agropecuária do Uruguai (INIA), falou sobre os resultados parciais do projeto financiado pelo Fontagro que busca identificar oportunidades e quantificar os impactos econômico e ambiental do sequestro de carbono orgânico em solos de países da América Latina e Caribe. O potencial para produção sustentável e sequestro de carbono em pastagens brasileiras foi tema da palestra do pesquisador Claudinei Santos, do Lapig/IESA da Universidade Federal de Goiás, demonstrando a importância da recuperação de pastagens degradadas para a sustentabilidade da agricultura brasileira. Já Rémi Cardinael, pesquisador do CIRAD/França, mostrou resultados de uma meta-análise sobre agrofloresta e carbono orgânico do solo na região da América Latina e Caribe. Fechando o painel, o professor da UFRJ Caio Rachid explicou sobre o relevante papel da biodiversidade do solo no sequestro de carbono e nas emissões de gases de efeito estufa, mostrando como as enzimas podem ser aliadas do carbono para o alcance de solos saudáveis. Na segunda parte da sessão, mediada pela pesquisadora Marcia Carvalho, da Embrapa Arroz e Feijão, o professor Francisco Rosado-May, da Universidade Intercultural Maya de Quintana Roo, no México, falou sobre o projeto junto a produtores rurais mexicanos para construção de pontes entre diferentes formas de conhecimento para aumentar o teor de carbono no solo, por meio de um processo de co-criação intercultural de saberes. Já o pesquisador da Embrapa Agrobiologia Ednaldo Araujo discorreu sobre a agricultura orgânica como forma de alcançar a sustentabilidade da agricultura familiar no Brasil e na América Latina, mostrando resultados positivos de ações junto a produtores brasileiros e apontando um grande potencial para o fomento dessa prática no Brasil, onde apenas 2% da produção agrícola é oriunda de cultivos orgânicos, ante 20% do vizinho Uruguai. Sieglinde Snapp, diretora do programa de Sistemas Agroalimentares Sustentáveis do CIMMYT, também trouxe ao simpósio lições de parcerias entre agricultores e pesquisadores, mostrando resultados de projetos no México e em outros países para a gestão do carbono do solo para mitigação e adaptação às mudanças climáticas. Ricardo de Figueiredo, diretor-executivo da NetZero, falou sobre os potenciais do biochar, ou biocarvão, e sua viabilidade econômica, climática, ambiental e agrícola para o Brasil e América Latina. Esse material, obtido por meio da conversão termoquímica de biomassas, é rico em teor de carbono e, além de apresentar resultados satisfatórios no uso agrícola para o condicionamento do solo, pode ser um aliado em ações de mitigação de gases de efeito estufa. Fechando o painel, Adriano Anselmi, gerente executivo na Carbon Venture da Bayer, mostrou resultados da iniciativa público-privada ProCarbono para a América Latina, que conta com a parceria da Embrapa e já gerou algumas entregas importantes, como uma calculadora de pegada de carbono e um guia de recomendação de práticas para reduzir emissões de gases de efeito estufa. |
Painel promove debate sobre os desafios para métricas de carbono no soloCom moderação do professor Manuel Eduardo Ferreira, da Universidade Federal de Goiás/Lapig, o painel da tarde de quinta-feira (26/6) reuniu especialistas para debater os desafios para desenvolvimento de métricas e monitoramento de carbono orgânico nos solos. Carlos Eduardo Cerri, professor da Esalq/USP, discorreu sobre os desafios técnico-científicos e de governança para medição, relatórios e verificação (MRV) do carbono do solo em sistemas agrícolas sob condições tropicais, trazendo experiências do CCARBON da USP e seus parceiros. Já Fernando Vieira Cesário, coordenador de portifólio de carbono com foco nas soluções climáticas naturais da The Nature Conservancy do Brasil, tratou dos desafios e perspectivas para os mercados voluntários de carbono no solo, que necessita de muita ciência aplicada para desenvolvimento de parâmetros baseados em métricas e protocolos complexos, sendo o MRV parte fundamental de um projeto de mercado de carbono. O pesquisador da Embrapa Agricultura Digital Luiz Gustavo Barioni falou sobre desenvolvimento de soluções digitais para planejamento e monitoramento na agricultura de carbono tropical, tratando sobre dados, modelos, algoritmos e economia. Barioni, que coordena as atividades da Embrapa no projeto ProCarbono da Bayer, deu detalhes do desenvolvimento de ferramentas digitais como a calculadora de pegada de carbono, desenvolvida no âmbito da parceria. Taciara Zborowski Horst, professora na Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), apresentou a iniciativa da Rede MapBiomas para mapeamento do estoque de carbono do solo do Brasil. O MapBiomas é uma iniciativa colaborativa que envolve ONGs, universidades e startups de tecnologia dedicadas à produção de mapas anuais de cobertura de uso da terra e da dinâmica ambiental em todo o território nacional. O também professor da UTFPR Alessandro Samuel-Rosa fechou o painel mostrando a utilização da Inteligência Artificial para integração de bancos de dados para monitoramento de carbono do solo. O professor apontou que iniciativas como as do Repositório Brasileiro de Dados de Solos (SoilData), do MapBiomas Solo e do PronaSolos demonstram o potencial da integração de diversas fontes de dados, apesar dos grandes desafios enfrentados pelas equipes técnicas, que podem ser auxiliados pela IA para enfrentá-los. Após o painel, uma mesa redonda (foto acima) discutiu os desafios da MRV das alterações no estoque de carbono orgânico do solo em terras agrícolas e a necessidade de harmonizar os métodos. A moderação foi de Suzanne Reynders, do INRAE (França), e de Senani Karunaratne, pesquisador da Organização de Pesquisa Científica e Industrial da Commonwealth (CSIRO), na Austrália. Participaram como debatedores Eric Ceschia, diretor de Pesquisa do Centro de Estudos da Biosfera Vista do Espaço (CesBio), INRAE, França; Marina Menin, chefe da Carbon Venture para a América Latina da Bayer; e William Salas, co-fundador e diretor de estratégia da Regrow Ag, nos Estados Unidos. |
Fernanda Diniz (MtB 4685/DF)
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