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Diálogos pelo Clima: ciência e inovação para o Sul do Brasil rumo à COP30
Em um evento crucial para a agenda ambiental e agrícola brasileira, os "Diálogos pelo Clima", promovidos pela Embrapa, reuniram no dia 6 de agosto especialistas em Porto Alegre (RS) para discutir o papel da ciência diante dos desafios impostos pelas mudanças do clima nos biomas da região Sul: Pampa e Mata Atlântica. O objetivo central foi contribuir para a construção de uma agricultura cada vez mais forte, inovadora e sustentável, gerando subsídios para a COP30, que será realizada no Brasil.
Leia a matéria sobre a primeira parte do evento: Enfrentamento à catástrofe climática do RS cria oportunidades para novos potenciais agropecuários
A programação da tarde, segundo bloco do evento, discutiu e destacou a importância da ciência e da pesquisa agropecuária para enfrentar os desafios das mudanças climáticas no Brasil, especialmente na região Sul. A primeira apresentação técnica sobre o papel da ciência diante dos desafios impostos pelas mudanças do clima nos biomas do Sul do Brasil foi conduzida pelo pesquisador Hamilton Justino Vieira, do Centro de Informações de Recursos Ambientais e de Hidrometeorologia de Santa Catarina (Ciram/Epagri), que falou sobre as Inovações para o desenvolvimento rural sustentável”. De acordo com ele, a pesquisa agropecuária no Sul do Brasil, especialmente em Santa Catarina, tem uma longa história, com estudos climáticos que remontam à criação da Epagri há 50 anos. “Essa trajetória permitiu o desenvolvimento de um dos primeiros zoneamentos agroclimáticos do estado, fundamentado na relação solo-planta-clima”, enfatizou. Esse estudo foi publicado em 1978 e trouxe novas perspectivas para os setores agropecuários de maneira geral e abriu caminho para muitos estudos e avaliações posteriores.
Atualmente, a Epagri é proprietária de cerca de 220 estações meteorológicas, agrometeorológicas e mareográficas, e seu banco de dados comporta informações de quase 700 estações em parceria com diversas instituições, entre elas a Embrapa.
De acordo com o pesquisador, o histórico climático da região é marcado por eventos extremos, como a grande enchente no Vale do Itajaí em 1983, o Furacão Catarina em 2004, chuvas intensas em 2008, a nevasca generalizada em 2013, o tornado de Xanxerê em 2015, o ciclone bomba e a grande estiagem em 2020. “Esses eventos ressaltam a urgência de fortalecer a rede de monitoramento e a previsão do tempo”, enfatizou.
Logo após a palestra técnica, a diretora de Inovação, Negócios e Transferência de Tecnologia da Embrapa, Ana Euler, conduziu a mesa-redonda “Papel da pesquisa diante dos desafios impostos pelas mudanças do clima nos Biomas da Região Sul do Brasil”. Especialistas abordaram a necessidade de dados históricos e modelos climáticos para subsidiar políticas públicas e investimentos em resiliência. Discutiram ainda o papel da cooperação interinstitucional e internacional, como o Programa Procisur, para o desenvolvimento de práticas agrícolas sustentáveis como a agricultura de baixo carbono e o manejo da água. Outro destaque da discussão foi a importância da transferência de tecnologia e a inovação, consideradas cruciais para a adoção dessas práticas por produtores de diferentes escalas, visando a segurança alimentar e o desenvolvimento econômico e social.
Um dos pontos mais debatidos foi a fragilidade do Rio Grande do Sul diante de desastres naturais, principalmente as secas, que causam perdas econômicas significativas – 6% a 8% do PIB em anos secos. Os dados foram apresentados pelo professor Emérito da UFRGS e diretor de Hidrologia da Rhama, Carlos Tucci. De acordo como ele, dados históricos revelam uma seca de dez anos consecutivos entre 1942 e 1951, que impulsionou a imigração de gaúchos. A recente enchente de 2024 em Porto Alegre, mesmo com 125 anos de dados, é considerada um "outlier" estatístico, um evento muito fora da série.
A discussão enfatizou ainda a não estacionariedade dos dados climáticos e hidrológicos, o que significa que as estatísticas ambientais mudam com o tempo devido a fatores como a construção de barragens, desmatamento e as próprias mudanças climáticas. “Isso implica a necessidade de rever o dimensionamento de infraestruturas e projetos que dependem desses dados. A integração entre meteorologia e hidrologia é fundamental para mitigar problemas de inundações e melhorar a previsão e alerta para todos os usos dos recursos hídricos”, enfatizou.
Segurança alimentar também entrou no debate, especialmente com o olhar sobre políticas públicas e a diversidade das agriculturas. O tópico foi abordado pela professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Catia Grisa. Para ela, a abordagem das políticas públicas em relação às mudanças climáticas e à segurança alimentar envolve diversos ministérios no Brasil e é crucial revisar as políticas públicas nacionais que reproduzem práticas insustentáveis. Um dos exemplos apontados por ela como passo importante é o lançamento do Plano de Ação para a Prevenção e Combate ao Desmatamento e Queimadas do Pampa.
Catia reforçou ainda que a pesquisa pode contribuir significativamente ao mensurar o quanto as práticas como a agricultura familiar e agroecológica retêm carbono, informações que ainda são escassas e importantes para as Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) do Brasil. “A diversidade da agricultura brasileira, incluindo povos e comunidades tradicionais, é uma fonte de práticas mais sustentáveis e de resiliência, necessitando de políticas específicas para esses grupos”, enfatizou ela.
Outro ponto levantado pela professora e que precisa ser atenção da pesquisa é a carência de dados para a agricultura familiar. “´Precisamos construir indicadores para a resiliência das diversidades agrícolas em territórios, além de incorporar essa diversidade nas pesquisas”.
Questões sobre os avanços e desafios na agricultura conservacionista foram apresentadas e discutidas pelo professor da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) Paulo Cesar Conceição. De acordo com ele, o Brasil é referência mundial em plantio direto, mas a adoção de práticas conservacionistas, como o uso de terraços por exemplo, enfrenta desafios. “Muitos produtores abandonaram os terraços, o que acelera o escoamento da água e dificulta sua infiltração no solo”, comentou ele. “Há uma dificuldade em transformar o conhecimento científico em realidade no campo, seja por barreiras na transferência de tecnologia ou pela compreensão dos produtores sobre a importância dessas práticas. Talvez não estejamos conseguindo transmitir de forma clara e eficaz as informações que acumulamos. Como resultado, quem nos escuta pode não compreender a importância do que estamos propondo”.
Exemplificando, ele retornou à questão da prática conservacionista simples: o terraço. “Já conseguimos calcular e apresentar de forma simples e compreensível quantos litros de água por hectare podem ser retidos em um terraço cheio após uma chuva de 200 mm. No entanto, muitos produtores ainda resistem ao uso do terraço, especialmente quando o veem cheio d’água. Existe um certo incômodo — quase um "celeuma" — ao enxergar a água parada ali”, porém isso é que o garante o sucesso da tecnologia. “Quando o terraço está cheio e não transbordou significa que ele cumpriu exatamente o papel para o qual foi construído”, explicou o professor. Esse desafio de levar a informação ao produtor envolve, segundo ele, explicar conceitos como tempo de recorrência das chuvas, infiltração no solo e a importância da recarga do aquífero e da bacia hidrográfica, evitando que a água escoe superficialmente para os rios e cause acúmulos nas regiões mais baixas.
Os temas inovação e cooperação internacional também integraram o debate, com a participação da analista de Inovação do Sebrae Natália Lorena Bertussi e da secretária-executiva do Procisur, Cecília Gianoni Beaulieu.
A cooperação internacional, exemplificada pelo Procisur (que reúne institutos de pesquisa da Argentina, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai), é fundamental para enfrentar desafios climáticos em escala regional. “O compartilhamento de material genético adaptado, o manejo de florestas e a geração de indicadores de sustentabilidade são frutos dessa colaboração”, exemplificou Cecília. Para ela, a COP30 no Brasil é vista como uma oportunidade ímpar para posicionar a região do Cone Sul como uma potência agroambiental, gerando evidências científicas e dados próprios para subsidiar políticas públicas e negociações globais.
Sobre inovação, ela é vista como a transformação do conhecimento em prática. E uma das iniciativas que podem ser exemplificadas é o programa Inova Biomas, do Sebrae, que busca conectar produtores com soluções tecnológicas, incluindo bioinsumos, sistemas agroflorestais, tecnologias digitais (sensoriamento, IoT), biotecnologia e práticas regenerativas. Em anúncio em primeira mão, a analista do Sebrae Natália falou sobre o lançamento do “Inova Pampa”, uma expansão do programa, visando aliar conhecimento científico, saber local e viabilidade econômica.
Como encerramento do debate, a diretora Ana Euler comentou que, ao lançar sua jornada, a Embrapa fez uma curadoria de pelo menos 150 tecnologias disponíveis hoje, todas voltadas para enfrentar os efeitos das mudanças climáticas — seja mitigando, adaptando ou tornando a agricultura mais resiliente. “Ou seja, temos muito conhecimento já disponível. O problema talvez não esteja na falta de soluções, mas sim no desafio de comunicar tudo isso de forma clara, e principalmente em fortalecer as redes territoriais de assistência técnica e extensão rural para que esse conhecimento chegue a quem realmente precisa”, finalizou.
Levando os biomas da região Sul para a COP30
A programação da tarde ainda contemplou uma roda de conversa, conduzida pela presidente da Embrapa Silvia Massruhá com participação dos chefes-gerais das Unidades Descentralizadas da Embrapa no Sul: Clima Temperado (Pelotas, RS), Trigo (Passo Fundo, RS), Pecuária Sul (Bagé, RS), Suínos e Aves (Concórdia, SC), Uva e Vinho (Bento Gonçalves, RS), Soja (Londrina, PR) e Florestas (Colombo, PR). Também participaram o presidente do INIA Chile, Carlos Turche, e o presidente do INIA Uruguai, Miguel Sierra.
Neste painel o foco foi uma apresentação de ações e potenciais da Embrapa na atuação da temática do clima, com uma mensagem especial para a COP 30. Os participantes reiteraram que a ciência está pronta para atender aos desafios climáticos, embora os desafios se renovem constantemente. “A Embrapa, com seus 50 anos de experiência em agricultura tropical e subtropical, e seus mais de 1000 pesquisadores, tem o potencial para desenvolver o conhecimento e tecnologias necessárias”, enfatizou a presidente Silvia.
Como principais mensagens a serem levadas à COP30, os gestores apontaram e enfatizaram:
- Investir na Embrapa é um retorno certo para a recuperação de áreas degradadas com tecnologias de ponta, como a integração lavoura-pecuária-floresta.
- A agricultura brasileira não é o problema, mas parte da solução, capaz de produzir alimentos, biocombustíveis e fibras, enquanto sequestra carbono.
- A necessidade de mostrar em números a sustentabilidade da agricultura brasileira, com dados sobre sequestro de carbono por plantio direto e fixação biológica de nitrogênio está na agenda prioritária da Embrapa.
- A pecuária tem um papel fundamental na produção de alimentos de alta nutrição, com a capacidade de converter fibra em alimento, ser um fator de conservação e equilíbrio ambiental, e garantir segurança alimentar.
- A importância de incentivar a adoção de tecnologias inovadoras no campo, garantindo que as práticas sustentáveis sejam economicamente e socialmente vantajosas para os produtores.
- A urgência de planos de ação concretos baseados na ciência e acordos políticos que atendam às necessidades globais.
- A agenda ambiental deve ser prioridade nas conferências climáticas, pois sem sustentabilidade global, não haverá espaço para política ou economia.
- A cooperação internacional é vital, e a região do Cone Sul, com suas capacidades de pesquisa, pode ser um parceiro interessante para oportunidades globais, especialmente no acesso a financiamentos para pesquisa e dados.
- O debate dos gestores reforçou que o Brasil, com sua rica base científica e experiência em agricultura sustentável, tem a responsabilidade e a capacidade de liderar o caminho para uma transição agroambiental global, aproveitando a COP30 como uma plataforma para consolidar parcerias e atrair os recursos necessários para a ação. “Cooperação é a palavra-chave e tudo passa por ciência, capacitação e políticas públicas associadas”, finalizou Silvia Massruhá.
Monalisa Leal Pereira (MTb/SC 01139)
Embrapa Suínos e Aves
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